30 novembro 2009

ENCANTOS DA MULHER MADURA

A verdadeira beleza da mulher,
Aquela beleza que perdura,
É sem duvida, a da mulher madura...
Pois é a mulher que sabe o que quer...
Já viveu amores...
Já teve alegrias, já sofreu dores...
Por ser experiente...
Torna-se exigente...
Não quer sofrer novamente...
Não se deixa levar por um repente...
Quer saber-se amada,
Quer ser bem conquistada...
Ainda que seja um amor de momento...
Que talvez, vire um tormento...
Tem que ser sincero... tem que haver sentimento...
Mesmo que não perdure,
Que seja eterno enquanto dure...
Não quer aquele amor apressado...
Tem que ser controlado...
O antes, em preliminares, bem demorado...
O durante... que seja delirante...
O depois, que dure bastante...
Nada daquilo de virar para o lado... é frustrante...
Tem que ser com bastante carinho...
Muito beijinho... muito denguinho...
O antes, o durante e o depois... tem que ser com amor...
Com bastante calor...
Tem que saber amar,
Para uma mulher madura conquistar...
Ela quer companhia... com muita harmonia,
Quer vida compartilhada... é mulher atuante...
Ter seu espaço respeitado... pois foi conquistado...
Quer amor... quer carinho... e também consideração...
Enfim... quer ser tratada como mulher,
Que soube seu caminho escolher...
Que sempre soube viver...
Quer apenas ter o direito de escolher
Como o fazer...
Quem tiver a felicidade de a ter a seu lado,
Considere-se privilegiado...
Pois foi por ela conquistado...
É a melhor idade... é a idade da razão...
É amor que faz bem ao coração...
É aquele amadurecimento,
Que aprimora o sentimento...
Saibam conservar o amor, o carinho da mulher madura...
Porque este sim, fica... e perdura.

Marcial Salaverry

29 outubro 2009

volume do fone

Finalmente tive uma oportunidade de lhe escrever... Apesar de tão próximos nunca mais falamos com a franqueza que o momento agora proporciona. Digo isso por que nestes meses esteve tão ausente, certamente não quer mais me ouvir... Eu sei que fui equivocado, talvez não tenha analisado as coisas de forma geral. Realmente vim aqui para conversarmos sobre nos. Desculpe-me falar novamente sobre ela, eu vejo o quanto te fiz sofrer... Mas é que realmente eu fui enganado também, tu sabes que sempre fui mais ingênuo entre nos dois


Sei que não gosta deste assunto, mas preciso falar-te tudo... Não há como dizer de nos sem comentar dela... Eu entendo sua resistência em falar disso, mas como sempre te disse... Achei que dessa vez ela merecia, ou quem sabe você merecesse...


Desde a primeira vez que a vi, nunca mais parei de pensar. Lembras? Foi quando estávamos na biblioteca e você gentilmente pediu pra ela abaixar o volume do fone, e dali pra frente não pude mais me controlar. Só nos dois sabemos que depois daquela tarde nos três entramos num barco onde apenas um se salvaria...


Aquela tardizinha de domingo em que estávamos tomando sorvete, próximo ao chafariz da prefeitura. Você a beijava como fosse eu que estivesse beijando (pelo menos se eu pudesse beijar seria daquela maneira), com tanta delicadeza, eu via seus lábios sutilmente massageando um ao outro, era muito mais do que um homem e uma mulher trocando carícias, era um momento de troca de espíritos, certamente estavam mais íntimos do que em qualquer outra relação... A partir deste dia que as coisas começaram a ficar boas pra mim, e terríveis pra você... Tive certeza que ela estava disposta a procurar o que eu estava a oferecer... Naquela tarde de domingo ficou claro, tive certeza de tudo, foi a primeira vez que tive tanta certeza.


Lembro que as duas semanas posteriores foi o único tempo que tive pra te persuadir, dediquei todas as minhas forças, nunca senti tanta pressão em meu corpo, quase meus ventrículos explodiram... Acordava e dormia sentindo a adrenalina correndo entre meus átrios. Não sei como consegui te induzir, mas lembro que caiu na minha conversa, te deixei cego (foi essa a sensação), tudo o que dizia, executava de forma metódica, sem tirar nem por, cada palavra era minimamente pensada por mim, cada gesto, cada pensamento, tudo, tudo... Realmente me senti no poder da situação, foram duas semanas de glória, eu era o imperador da sua vida, eu era o mestre do jogo, foi o meu apogeu... formávamos um cordão de três nós... Jamais me via em outra situação.


Logo quando desconfiei que minhas certezas poderiam estar em partes equivocadas fiquei perplexo...


Pior do que não ter o poder é perdê-lo. E apesar de tudo confesso que sofri muito... muito mais que ti certamente, mais do que qualquer um, pois tudo o que tinha feito, e planejado, caiu em minha face. Nem você e nem mais ela estava sob meu controle...


Percebi que nem eu estava sob algum controle. Após isto vi tudo afundando. Lembra do barco? Não sobrou nenhum bote pra se salvar... E se sobrou nem eu e você encontramos.


Ela se foi, e não só ela como você também.


Tu fizeste questão de me afogar... Ignorou minha verdadeira existência... Nunca mais me procurou


Todavia volto a este oceano, não para te recordar do passado amargo que nos separou... E jamais para te fazer sofrer de novo... Mas te quero de volta... Ou quero eu mesmo de volta...
Juro que posso ser mais prudente daqui pra frente, quero ver as coisas de forma mais “racional” (apesar de odiar este termo), não serei tão possessivo, vou procurar ver suas vontades também. Não consigo ficar distante de ti. Estou sentido sua falta.
Sinto que sou apenas um aparelho de emancipação de sua existência, e por essa maneira não cumpro meu papel central.


Me de mais uma chance?


Espero retorno...


Ass: Seu coração

Thiago Marques

xícara fria

Estava escuro, o tempo fechado, ventava o necessário para dar calafrios e sacudir as folhas. Naquela praça escura, histórias e conflitos ali foram travados, ali mesmo entre os dois bustos eu estava, ingenuamente procurando o que não tinha perdido e tão pouco o que não precisava encontrar. Totalmente ébrio, andava pra todos os lados sem ver um palmo à volta, sem dar atenção aos conhecidos e por pouco quase perdia o equilíbrio, era mais uma noite comum... Dali fui embora, sem saber que meus dias estavam comprometidos depois daquela madrugada...


Preparei minhas malas, revi alguns amigos (apenas os mais íntimos), fui a lugares que gostava, mesmo com aquele frio de Agosto, e joguei umas coisas fora, sabia que não iria voltar logo...


Estava eu tomando café... O mesmo café morno com leite numa xícara fria, sentado quieto para não incomodar os moradores do andar de baixo... Olhei as paredes e o forro... Pensando talvez em ficar mais um ou dois anos, estava já adequado a mudança, na verdade toda essa reviravolta estava fazendo bem, não posso dizer que era mais feliz, ou realizado ali... Sinto que sempre estive mais vulnerável aos perigos da nova cidade, e a casa também não era tão forte como a outra, mas mesmo assim me sentia menos menino, e no fundo sabia que serviria pra alguma coisa...


Quando decidi ficar descobri que não havia mais ninguém aos lados, apenas embaixo e em cima... Os vizinhos mais antigos me disseram que a estrutura estava condenada, e de tempos em tempos trocavam os moradores, mas mesmo assim eles (os mais antigos) insistiam em ficar por La, diziam que não encontraria na região nenhuma parecida. Simples, arejada e um valor agradável, sem contar a tranqüilidade...


Estava eu pensando que a ultima vez que tomei café morno com leite foi La... Não é do café que sinto mais falta, talvez seja a tranqüilidade, ou a simplicidade... Não vou mentir vai... As vezes me da um peso de ter voltado, não por pensar que Lá é meu lugar (porque tenho certeza que não é), mas poderia encontrar algo que não achei na praça... Aquela velha praça...


Thiago Marques

07 julho 2009


América Latina: ¿un continente agnóstico?
 
Por: Adrián Sotelo
 
Em artigo recente, titulado “América Latina, um continente sem teoria” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15943), José Luis Fiori defende que “não existe mais uma teoria capaz de ler e interpretar a história do continente, e fundamentar uma estratégia coerente de construção do futuro.” Em sua argumentação, Fiori faz um rápido repasso da teoria liberal, depois identifica três correntes do pensamento latino-americano imersas na chama teoria da dependência para, por fim, sustentar sua tese a partir da conversão ao neoliberalismo dos principais pensadores e intelectuais de uma daquelas correntes encabeçada pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso e sua escola da dependência.
Num ato em que não fica claro se é truque ou má-fé, o professor Fiori descobre que “América Latina carece de teoria”, ou seja, de um pensamento próprio no qual se apoiar para pensar, entender e analisar a inserção do continente no concerto internacional. Assim, extingue com um simples “canetaço” toda a tradição intelectual latino-americana construída nos últimos oitenta anos, e procura nos informar que existiria um “apagão mental” que deixou nas trevas a compreensão teórica e crítica do nosso continente latino-americano. Para isso nos lembra o óbvio: que historicamente a teoria liberal (agora neoliberal, podemos acrescentar) nunca construiu – nem se interessou em fazê-lo – um pensamento próprio sobre a América Latina, simplesmente porque não necessitava e pelo fato de que bastava sua própria dominação econômica, política e militar para impor sua visão de mundo de acordo com os postulados e interesses imperialistas. É evidente que Fiori tem toda razão: desde a colônia, passando pela independência política de nossos países latino-americanos e a formação dos seus Estados nacionais, até a conformação em modernos sistemas econômicos capitalistas, dependentes, subdesenvolvidos e atrasados até hoje, os liberais de toda espécie – da direita, ultra-direita, ou até as vertentes social-democratas de moda – cumpriram a função de legitimar e justificar as relações de dominação econômicas e políticas entre o chamado “centro”, isto é, o imperialismo, e os países da periferia subordinados estruturalmente, ou seja, os países dependentes.   
Não é preciso ser muito “letrado” para entender que o melhor tratado ultra-liberal que consagra essa “amnésia epistemológica” com evidentes traços políticos está representado pelo livro do estadunidense Walt Whitman Rostow[1], cujo subtítulo, por certo, é significatico: “um manifesto anticomunista”. O objetivo fundamental desse livro (como o de todos liberais) é o de justificar teórica e ideologicamente a dominação que exerce o imperialismo estadunidense sobre os países do (mal) chamado “terceiro mundo” e da América Latina particularmente, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, com uma ambição estratégica: ofuscar o esforço e o significado histórico que para os povos da humanidade representou a façanha da Revolução Cubana, que rompeu com o “paradigma” do desenvolvimento capitalista imposto pelas potências hegemônicas e pela própria CEPAL. No livro de Rostow a história do desenvolvimento em geral é uma sucessão e repetição de cinco etapas que forçosamente todos os países têm que recorrer para “alcançar” seu desenvolvimento.[2]    
É óbvio que o “modelo” ideal de economia e sociedade que está detrás das formulações liberais e reacionárias em relação ao desenvolvimento capitalista é o representado pelos Estados Unidos e seu american way of life, assim como por alguns países imperialistas como Inglaterra ou França, no qual os países subdesenvolvidos e, em particular, os países da América Latina têm necessariamente que se enquadrar. Toda a economia neoclássica conservadora, em diferentes níveis de abstração metodológica, repete este esquema linear, idealista, descritivo e a-histórico do desenvolvimento, da mesma forma que o faz a sociologia funcionalista que floresceu na Europa e nos Estados Unidos e que foi utilizada como marco teórico na América Latina por autores como Gino Germani, para dar um exemplo.[3]
Para “sustentar” sua afirmação de que América Latina é um continente “sem teoria” (ou seja, um “continente agnóstico”), Fiori identifica três correntes ou vertentes da teoria da dependência que, supostamente, surgiram tanto do “desencanto” do “modelo” de industrialização por substituição de importações pregado pela CEPAL como “via de desenvolvimento”, quanto da crítica às teses que a partir da III Internacional sob hegemonia de Moscou – e depois da Segunda Guerra Mundial – levantaram os Partidos Comunistas latino-americanos, teses estas sustentadas numa caracterização da América Latina a partir da articulação dos modos de produção e de uma aliança estratégica anti-imperialista das “burguesias preventivas” com as forças populares e progressistas que consolidariam o socialismo.[4] Como se sabe, esta estratégia foi fulminada após o golpe militar de 1973 em Chile, que depôs o governo constitucional da Unidad Popular e fortaleceu o ciclo das ditaduras militares na América Latina, o que, por sua vez, contribuiu para acelerar e difundir o “apagão mental” referido por Fiori.
As críticas não se fizeram esperar e autores como Ruy Mauro Marini, criador da vertente marxista da teoria da dependência junto com outros como Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra, caracterizam-nas de “endogenistas” devido ao predomínio que este tipo de análise outorga aos “fatores internos” na determinação do subdesenvolvimento e do atraso, tais como a acumulação originária do capital, as estruturas de classe, a natureza do modo de produção ou a dinâmica dos mercados internos, colocando o mercado mundial e a divisão internacional do trabalho como “fatores secundários e externos”.[5]
Outro autor que se realizou a crítica ao endogenismo e às teses da suposta existência de feudalismo na América Latina foi André Gunder Frank, que em obras fundamentais demonstrou a continuidade do desenvolvimento capitalista na América Latina desde a expansão colonial das potências ibéricas.[6] Daí sua fórmula de desenvolvimento (capitalista) do subdesenvolvimento (também capitalista).
Surgidas ao calor dos acontecimentos históricos – como o triunfo da Revolução Cubana em janeiro de 1959, a crise capitalista e a sucessão de golpes militares que se estenderam ao longo das décadas de 1960 e 1970 na América Latina –, as três vertentes da dependência que identifica Fiori – e que para ele representa “a última tentativa de teorização latino-americana do século XX” – são: a) a marxista, que segundo ele, considerava que o imperialismo e o desenvolvimento capitalista dos países centrais “impediam” o desenvolvimento do capitalismo dependente, tese esta que é completamente falsa em relação aos autores marxistas da dependência; b) a “cepalina”, que propunha a industrialização por substituição de importações, a expansão dos mercados internos e a realização de reformas estruturais para fortalecer o desenvolvimento; e, por último, c) a “cepalino-marxista”, comandada pelo sociólogo e agora ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso[7], e que Fiori considera ser a que “teve vida mais longa e efeitos mais ‘surpreendentes’ devido a três razões fundamentais: primeiro, porque defendia a viabilidade do capitalismo latino-americano; segundo, porque defendia uma estratégia de desenvolvimento ‘dependente e associado’ com os países centrais; e terceiro, porque saíram desta corrente alguns dos principais líderes políticos e intelectuais da ‘restauração neoliberal’ dos anos 90”, como o próprio FHC, e também Luiz Carlos Bresser Pereira e Guido Mantega, atual Ministro da Fazenda no Brasil do governo lulista.
É preciso esclarecer que tanto Bresser Pereira como Mantega mantêm a mesma opinião que Fiori: o primeiro quando fala de “nova dependência” e de “social-desenvolvimentismo”, e o segundo quando se enquadra em autores que, diz, pertencem à “nova esquerda” dos anos 1960 e 1970. O substancial nos três (Bresser Pereira, Mantega e Fiori) radica em que atribuem indevidamente a esta corrente de pensamento a paternidade da teoria da dependência, escondendo que esta representa somente uma de suas vertentes, ao lado de uma teoria marxista da dependência, que transcende o universo teórico-metodológico do reformismo.[8]
Num importante ensaio[9], Marini critica e desvenda as teses sociologistas e social-demócratas de Fernando Henrique Cardoso e José Serra – e, portanto, critica igualmente as idéias do grupo que ambos representam – e as caracteriza como um “neo-desenvimentismo vergonhoso” (p. 103) que, no âmbito brasileiro, filtra as teses da “interdependência” e apresenta o Brasil frente a um desenvolvimento ao estilo estadunidense e europeu que o coloca no mesmo nível dos países desenvolvidos, apagando todas as diferenças estruturais em relação à dependência (econômica, financeira, científica e tecnológica). Por isso não é nada estranho que o Fiori capte o momento predominante do “apagão mental” que, segundo ele, ocorre na América Latina com o abandono do “latino-americanismo” por parte de um dos mais proeminentes representantes dessa corrente de pensamento: Luiz Carlos Bresser Pereira – que, por certo, caracterizou o golpe militar de 1964 de “revolução de 64”[10] –, quando este aderiu ao liberalismo cru.
O que ocorre, e isso oculta Fiori, é que efetivamente se apagou e deixou de existir essa corrente weberiana e reformista da dependência a partir da conversão e práxis neoliberal de Cardoso como presidente do Brasil[11] – o que se deu junto a outras correntes como as endogenistas, que desapareceram com a extinção dos partidos comunistas e da União Soviética. Mas de nenhuma forma se esgotaram as teorias latino-americanas, como pensa Fiori. Pelo contrário, estas foram vítimas do neoliberalismo e do pensamento único, sobretudo nas décadas dos oitenta e noventa do século passado, quando foram impostos os marcos teórico-ideológicos das formulações eurocêntricas e neoliberais sustentadas nas reformas do Estado e do mercado. Na atualidade assistimos a um grande esforço de ressurreição do marxismo, do pensamento crítico e da teoria da dependência frente à crise global do capitalismo e de suas principais formas dominantes de pensamento. O objetivo consiste em renovar nosso pensamento, reformular categorias e conceitos e, paralelamente, buscar caminhos e estratégias de transição que transcendam radicalmente a ordem civilizatória do capitalismo em crise.
Por outro lado, a vertente marxista da dependência nunca postulou, como afirma Fiori recordando e assumindo as teses de Cardoso, que o desenvolvimento capitalista ficaria bloqueado devido à existência do imperialismo e de sua dinâmica de desenvolvimento nos centros. Esta é uma má-interpretação de todo um debate que ocorrei na América latina no curso das décadas de 1960 e 1970. Cardoso acusa a teoria da dependência, em particular a vertente marxista, de ser portadora de “teses estagnacionistas”, mas o próprio Marini se encarregou em várias ocasiões de esclarecer o tema e enfatizar que a teoria da dependência nunca apontou a uma concepção estagnacionista do desenvolvimento capitalista na América Latina e, em geral, nos países dependentes. Pelo contrário, demonstrou que foram precisamente autores como Celso Furtado e o próprio Cardoso, assim como o chileno Aníbal Pinto, os que assumiram as teses do estancamento econômico latino-americano, pedindo a gritos a intervenção do Estado para salvar o sistema. Por exemplo, o enfoque estruturalista de Celso Furtado lhe permite inferir uma tendência ao estancamento econômico da América Latina devido, entre outros fatores, ao estrangulamento do crescimento que provocam tanto a propensão à concentração do progresso técnico nas unidades produtivas mais eficientes e rentáveis, como a aguda concentração de renda. É assim que Furtado expressa: “No caso mais geral, o declínio na eficiência econômica provoca diretamente a estagnação econômica”[12]; e mais adiante conclui: “Neste sentido, pode-se atribuir ao problema da estagnação econômica um caráter estrutural”[13].  
Em contraste com esta posição, na obra de Marini sobram passagens nas quais é possível inferir que, para ele, o capitalismo se desenvolve (não se estanca) em conjunção com seu caráter dependente do capitalismo mundial. Por exemplo, quando afirma: “A economia exportadora é, pois, algo mais que o produto de uma economia internacional fundada na especialização produtiva: é uma formação social baseada no modo capitalista de produção, que acentua até o limite as contradições que lhe são próprias. Ao fazê-lo, configura de maneira específica as relações de exploração em que se baseia, e cria um ciclo do capital que tende a reproduzir em escala ampliada a dependência em que se encontra frente à economia internacional”.[14]
A economia industrial latino-americana emerge – sobre as bases sócio-econômicas e políticas da velha economia exportadora que se desenvolveu entre 1850 e 1930-50, dependendo dos países – no período da industrialização por substituição de importações para o mercado interno, o que se deu entre 1930-1950 e finais da década de 1970, aprofundando o capitalismo, o atraso e a dependência.[15] Portanto, concluímos que as teses do Marini são exatamente o inverso das que postulam a estagnação do capitalismo e que, pelo contrário, demonstram claramente que o desenvolvimento do modo de produção capitalista universal com eixo nos centros e comandados pelo imperialismo estadunidense gera desenvolvimento capitalista nas periferias, mas este é dependente, aprofundando os fenômenos próprios da dependência, do subdesenvolvimento e do atraso para os países e sua população. Esta perspectiva também vai contra os postulados da economia neoclássica e do neo-estruturalismo, como o de Fiori[16], e também contra as ilusões do desenvolvimento tecnológico, da aplicação da ciência aos processos produtivos e à inversão estrangeira direta que historicamente não fez mais que acelerar as transferências de valor e de mais-valia (numa espécie de afirmação e aprofundamento da troca-desigual) para as economias do capitalismo desenvolvido e engrossar o endividamento externo da região.[17]
Estas reflexões eram necessárias para mostrar que o tema da dependência não está acabado. Pelo contrário, é preciso desenvolver a teoria, criando novas categorias e conceitos analíticos sobre a bas de recuperação do nosso extenso e rico pensamento teórico e crítico latino-americano. América Latina tem povos e intelectuais comprometidos com a tarefa de nutrir um pensamento próprio e autônomo em função da crítica de todas as teorias dominantes na ordem capitalista existente com a ambição de transcendê-lo.
Finalmente, frente ao anúncio soberano de Fiori em relação ao fato de que “no caso dos intelectuais progressistas do continente, é uma má notícia saber que não existe mais uma teoria capaz de ler e interpretar a história do continente, e fundamentar uma estratégia coerente de construção do futuro”, a boa notícia consiste em comunicar que os povos, as comunidades, os intelectuais progressistas e de esquerda e os movimentos populares estão realizando a tarefa de construir suas próprias teorias, com forte raiz no marxismo e no pensamento crítico, para forjar suas próprias concepções sobre a transformação social e a transição da América Latina num contexto de crise estrutural e civilizatória do modo de produção capitalista e de seus marcos teóricos e ideológicos construídos pelo capitalismo e pelo imperialismo nos últimos 200 anos. 
 
Todos os direitos a Adrián Sotelo