29 outubro 2009

volume do fone

Finalmente tive uma oportunidade de lhe escrever... Apesar de tão próximos nunca mais falamos com a franqueza que o momento agora proporciona. Digo isso por que nestes meses esteve tão ausente, certamente não quer mais me ouvir... Eu sei que fui equivocado, talvez não tenha analisado as coisas de forma geral. Realmente vim aqui para conversarmos sobre nos. Desculpe-me falar novamente sobre ela, eu vejo o quanto te fiz sofrer... Mas é que realmente eu fui enganado também, tu sabes que sempre fui mais ingênuo entre nos dois


Sei que não gosta deste assunto, mas preciso falar-te tudo... Não há como dizer de nos sem comentar dela... Eu entendo sua resistência em falar disso, mas como sempre te disse... Achei que dessa vez ela merecia, ou quem sabe você merecesse...


Desde a primeira vez que a vi, nunca mais parei de pensar. Lembras? Foi quando estávamos na biblioteca e você gentilmente pediu pra ela abaixar o volume do fone, e dali pra frente não pude mais me controlar. Só nos dois sabemos que depois daquela tarde nos três entramos num barco onde apenas um se salvaria...


Aquela tardizinha de domingo em que estávamos tomando sorvete, próximo ao chafariz da prefeitura. Você a beijava como fosse eu que estivesse beijando (pelo menos se eu pudesse beijar seria daquela maneira), com tanta delicadeza, eu via seus lábios sutilmente massageando um ao outro, era muito mais do que um homem e uma mulher trocando carícias, era um momento de troca de espíritos, certamente estavam mais íntimos do que em qualquer outra relação... A partir deste dia que as coisas começaram a ficar boas pra mim, e terríveis pra você... Tive certeza que ela estava disposta a procurar o que eu estava a oferecer... Naquela tarde de domingo ficou claro, tive certeza de tudo, foi a primeira vez que tive tanta certeza.


Lembro que as duas semanas posteriores foi o único tempo que tive pra te persuadir, dediquei todas as minhas forças, nunca senti tanta pressão em meu corpo, quase meus ventrículos explodiram... Acordava e dormia sentindo a adrenalina correndo entre meus átrios. Não sei como consegui te induzir, mas lembro que caiu na minha conversa, te deixei cego (foi essa a sensação), tudo o que dizia, executava de forma metódica, sem tirar nem por, cada palavra era minimamente pensada por mim, cada gesto, cada pensamento, tudo, tudo... Realmente me senti no poder da situação, foram duas semanas de glória, eu era o imperador da sua vida, eu era o mestre do jogo, foi o meu apogeu... formávamos um cordão de três nós... Jamais me via em outra situação.


Logo quando desconfiei que minhas certezas poderiam estar em partes equivocadas fiquei perplexo...


Pior do que não ter o poder é perdê-lo. E apesar de tudo confesso que sofri muito... muito mais que ti certamente, mais do que qualquer um, pois tudo o que tinha feito, e planejado, caiu em minha face. Nem você e nem mais ela estava sob meu controle...


Percebi que nem eu estava sob algum controle. Após isto vi tudo afundando. Lembra do barco? Não sobrou nenhum bote pra se salvar... E se sobrou nem eu e você encontramos.


Ela se foi, e não só ela como você também.


Tu fizeste questão de me afogar... Ignorou minha verdadeira existência... Nunca mais me procurou


Todavia volto a este oceano, não para te recordar do passado amargo que nos separou... E jamais para te fazer sofrer de novo... Mas te quero de volta... Ou quero eu mesmo de volta...
Juro que posso ser mais prudente daqui pra frente, quero ver as coisas de forma mais “racional” (apesar de odiar este termo), não serei tão possessivo, vou procurar ver suas vontades também. Não consigo ficar distante de ti. Estou sentido sua falta.
Sinto que sou apenas um aparelho de emancipação de sua existência, e por essa maneira não cumpro meu papel central.


Me de mais uma chance?


Espero retorno...


Ass: Seu coração

Thiago Marques

xícara fria

Estava escuro, o tempo fechado, ventava o necessário para dar calafrios e sacudir as folhas. Naquela praça escura, histórias e conflitos ali foram travados, ali mesmo entre os dois bustos eu estava, ingenuamente procurando o que não tinha perdido e tão pouco o que não precisava encontrar. Totalmente ébrio, andava pra todos os lados sem ver um palmo à volta, sem dar atenção aos conhecidos e por pouco quase perdia o equilíbrio, era mais uma noite comum... Dali fui embora, sem saber que meus dias estavam comprometidos depois daquela madrugada...


Preparei minhas malas, revi alguns amigos (apenas os mais íntimos), fui a lugares que gostava, mesmo com aquele frio de Agosto, e joguei umas coisas fora, sabia que não iria voltar logo...


Estava eu tomando café... O mesmo café morno com leite numa xícara fria, sentado quieto para não incomodar os moradores do andar de baixo... Olhei as paredes e o forro... Pensando talvez em ficar mais um ou dois anos, estava já adequado a mudança, na verdade toda essa reviravolta estava fazendo bem, não posso dizer que era mais feliz, ou realizado ali... Sinto que sempre estive mais vulnerável aos perigos da nova cidade, e a casa também não era tão forte como a outra, mas mesmo assim me sentia menos menino, e no fundo sabia que serviria pra alguma coisa...


Quando decidi ficar descobri que não havia mais ninguém aos lados, apenas embaixo e em cima... Os vizinhos mais antigos me disseram que a estrutura estava condenada, e de tempos em tempos trocavam os moradores, mas mesmo assim eles (os mais antigos) insistiam em ficar por La, diziam que não encontraria na região nenhuma parecida. Simples, arejada e um valor agradável, sem contar a tranqüilidade...


Estava eu pensando que a ultima vez que tomei café morno com leite foi La... Não é do café que sinto mais falta, talvez seja a tranqüilidade, ou a simplicidade... Não vou mentir vai... As vezes me da um peso de ter voltado, não por pensar que Lá é meu lugar (porque tenho certeza que não é), mas poderia encontrar algo que não achei na praça... Aquela velha praça...


Thiago Marques